POR DIEGO BARRETO
Rio - Garrafas plásticas, pneus, um velho tubo de imagem de televisão, restos de móveis, lâmpadas fluorescentes. Na Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador, um tapete de lixo tomou a faixa de areia. No local, as garças deram lugar aos urubus, num cenário que se confunde com o de um lixão. Rodeada por 16 municípios, dos quais a maioria conta com serviço precário de coleta de detritos, a Baía de Guanabara acaba recebendo parte das 9 mil toneladas diárias de resíduos sólidos produzidas na Região Metropolitana do Rio. Além de esgoto, especialistas estimam que, desse total, em média 100 toneladas de lixo cheguem à Baía todo dia.
Praias da Ilha do Governador acumulam toda a sorte de detritos | Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia
“A gente encontra de tudo nas margens: plástico, metal, restos de móveis, até eletrodomésticos. Infelizmente parece que tudo que as pessoas não querem mais vai para lá”, enumera Sérgio de Oliveira, 68 anos, que há 5 trabalha coletando material reciclável na Baía. Conforme estudo elaborado pelo engenheiro hidráulico Jorge Paes Rios, o lixo não coletado ou lançado em aterros clandestinos tem como destino final a Baía, que também recebe todos os dias pelo menos 800 litros de chorume — líquido altamente poluente, produzido durante a decomposição do lixo.
“A situação é crítica. Os municípios do Rio e de Niterói são os que têm melhor atendimento de serviços de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos. Mesmo assim, nem toda a área municipal é coberta de forma satisfatória. Os aterros existentes, de modo geral, não apresentam condições mínimas de operação, comprometendo o lençol freático e trazendo problemas sanitários para as populações situadas no entorno. Boa parte do lixo é coletada de forma deficiente e depositada inadequadamente, representando também grande carga poluente para os rios da região, que escoam para a Baía”, explica o especialista.
Na sede do programa Re-Cooperar, peças são montadas a partir de material retirado das praias | Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia
O efeito desse derrame de lixo nas águas da Baía é sentido por quem mora próximo das praias da Baía, como a artesã Luzia Tavares, 51. Nascida e criada no bairro Boa Vista, em São Gonçalo, ela deixou as caminhadas na Praia das Pedrinhas. “Tem muito lixo, a praia se tornou imprestável. Quando eu era menina, catava marisco lá. Hoje fico com o coração partido ao ver a situação”.
Reciclagem como saída
Inconformado com anos de degradação, o biólogo marinho Pedro Belga resolveu buscar no lixo a solução para reverter a realidade ambiental e social de comunidades na beira da Baía. “Sou filho de pescador e sempre ficava muito triste em ver a Baía agonizando. Na década de 90, montei um evento sobre o tema. Fez tanto sucesso que não parei mais”, conta Pedro, que em 1998 fundou a ONG Guardiões do Mar. Hoje, a instituição coordena quatro projetos de reciclagem com mais de 100 famílias e recolhe anualmente mais de mil toneladas de lixo que iriam para a Baía. “Quando as pessoas percebem que o lixo é renda, elas não jogam mais fora e acabam disseminando essa ideia. Além do benefício para o meio ambiente, estamos resgatando a autoestima dessas pessoas, que se tornam agentes ambientais”, conclui Pedro.
Reciclagem que dá sustento familiar
Fim de tarde na Praia das Pedrinhas, São Gonçalo. Munidos de sacos plásticos, Sérgio de Oliveira e Iara Peixoto começam a recolher da areia o sustento de suas famílias. Eles são membros do Programa Re-Cooperar, iniciativa da ONG Guardiões do Mar, que recicla mais de 100 toneladas de resíduos sólidos por mês. “Todo este lixo (a dupla recolheu mais de 20 quilos em apenas 20 minutos de coleta), que seria mais fonte de poluição, vai se transformar em salário. Por mês, cada cooperativado tira uma média de R$ 600”, explica Sérgio, que se orgulha do trabalho que executa. “Tive que trabalhar com o lixo para aprender a importância de reciclar. Hoje tento transmitir isso para todos na minha vizinhança”.
Guardiões do Mar em ação na Praia das Pedrinhas: um quilo de detritos removido a cada minuto | Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia
A propagação da ideia parece estar dando certo. Batendo de porta em porta para explicar o projeto, os membros da Re-Cooperar já cadastraram uma rede com mais de 400 residências que fazem a separação do lixo para reciclagem, em São Gonçalo — município que ainda não conta com um programa de coleta seletiva.
O lixo coletado se transforma em móveis, objetos de decoração, acessórios e brindes ecológicos pelas mãos dos artesãos dos projetos ‘Manguezarte’, ‘Modelarte’ e ‘Mulheres Arteiras’.
“Fico aliviada de saber que, de alguma forma, estou contribuindo para diminuir a poluição na Baía. Hoje tenho lixeira para plástico, papel e restos de alimento. Diminuir ou aumentar a poluição depende de cada um de nós, estou fazendo a minha parte”, afirma Marileda Silva, 54, que trabalha na Guardiões do Mar há seis anos.
Colaborou Maria Luísa Barros
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